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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Só Deus salva

Ligerinho foi um dos líderes e fundadores do Comando Vermelho. Hoje ele é o pastor Salles
Aldidudima Salles veio ao mundo em 1966, no Ceará. Filho de um militar e pastor evangélico e de uma dona-de-casa, cresceu em lar humilde. Com 9 anos, fugiu de casa, “por causa do espiritismo”. “O diabo entrou na minha vida e disse que ia me usar por um tempo”, conta. Morou na rua, freqüentava centros de umbanda e magia negra e diz ter violado sepulturas para comer carne humana.

Aos 14, chefiava cerca de 40 homens na facção criminosa Terceiro Comando. “Sempre fui muito inteligente. Isso era o que me diferenciava do resto. Os caras me obedeciam”, acredita. Depois integrou o Comando Vermelho, onde ganhou o apelido de Ligeirinho, tornando-se um de seus principais líderes. Foi para Cáli, na Colômbia, fazer treinamento no cartel de Pablo Escobar – à época, o maior traficantes de drogas do mundo. “Lá aprendi tudo que o cão me ensinou. O que ele não me ensinou, eu ensinei a ele. Cheguei num ponto em que não era o diabo que entrava em mim, mas sim eu que entrava nele”, diz.

Com 6 mil bandidos sob sua mão, ele e José Carlos Encina, o Escadinha, comandavam a venda de drogas em diversos morros do Rio de Janeiro e de São Paulo. Foi ele quem ensinou o ofício para Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, traficante que dispensa apresentações. Participava ainda de tráfico de crianças, de armas e assaltos à banco. Com o lucro das atividades ilícitas, Salles diz ter acumulado um patrimônio invejável: 22 apartamentos, 3 aviões, 40 carros, 19 motos e um sítio em Mato Grosso.

PCC is in the house

Era 1987, Escadinha estava preso no presídio de Ilha Grande, no Estado do Rio. Em plena noite de ano novo, o bandido foi içado por um helicóptero, numa verdadeira fuga cinematográfica. Salles, mentor da ação que parou o país, estava no helicóptero. Ele conta tudo sem esconder um certo orgulho da engenhosidade da operação. “Foi um tapa na cara da polícia”, diz. Logo depois, porém, ele abandonou o crime. Conta que foi assaltar uma igreja e acabou se convertendo. “Labaredas de fogo surgiram em volta do pastor e eu não conseguia atirar nele. Ele me deu um novo testamento e disse que um dia eu ainda ia pregar na igreja dele”.



Salles foi preso na Praça da Sé, sendo condenado a 300 anos e seis meses de cadeia por 26 assassinatos, 15 assaltos à banco, tráfico de drogas e formação de quadrilha. Em Bangu I, já crente, evangelizava outros presos valendo-se de métodos, digamos, heterodoxos: quem não aceitava Jesus, era convencido à força. “Viramos o exército de Deus lá dentro. Torturávamos o cabra até ele se converter”, relembra. O ex-criminoso saiu da prisão de segurança máxima pela porta da frente, após ter cumprido apenas 10 anos da pena. Um induto presidencial de Fernando Henrique Cardoso libertou-o. Em suas pregações, quando rememora o caso, Salles diz que foi “obra de Deus”. Para mim, dá outra versão: “Há muitos políticos evangélicos hoje em dia, alguns em posições bem elevadas. Posso dizer que somos bem representados em Brasília”.



Vou até a Assembléia de Deus de Belenzinho conferir um culto do Pastor Salles pessoalmente. Ele chega acompanhado da atual esposa e me conta que matou as outras duas que teve. A mulher ri nervosa. Um gato preto tatuado em seu tornozelo sinaliza que ela provavelmente não é evangélica desde sempre. Salles diz já ter pregado em 18 países e em todas as capitais brasileiras. Não cobra pelas suas palavras, conta que vive da comercialização dos seus DVDs, vendidos em banquinhas improvisadas nas igrejas em que se apresenta e em lojas. “Entrei esses dias numa Lojas Americanas que já havia assaltado e tinha o meu DVD à venda lá. Deus faz coisas incríveis”, conta. Ele diz que há membros do PCC (Primeiro Comando da Capital) sentados assistindo ao culto. O pastor da igreja é quem lhe contou o fato, pedindo para que ele não subisse ao palco naquela noite. Salles deu de ombros. “Nunca senti medo na vida e não é hoje que vou sentir. Estou tranquilo”, diz. Já eu não podia dizer o mesmo.